terça-feira, 31 de janeiro de 2012

FILOSOFIA: A RAZÃO

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Um Conceito Racional No Mundo Filosófico



Trabalho apresentado ao Curso de Administração  da UNEF – Unidade de Ensino Superior de Feira de Santana, para a disciplina de Filosofia.



Profº. Edivaldo Correia Bastos

Feira de Santana - BA

2011


1     INTRODUÇÃO



                        Razão é a competência da mente humana que consente chegar a deduções a partir de suposições ou premissas. É, entre outros, um dos recursos pelo qual os seres racionais propõem razões ou explicações para causa e efeito. A razão é associada à natureza humana em particular.

                        A razão consente identificar o operar conceitos em abstração, resolver problemas, trabalhar a coerência ou contradição entre eles e destacar ou formar novos conceitos de forma ordenada e orientada para objetivos. Nela está contido: raciocinar, aprender, compreender, ponderar e julgar.

                        Razão significa pensar e falar ordenadamente, com medida e proporção, com clareza e de modo compreensível para outros; é a maneira de organizar a realidade pela qual esta se torna compreensível.


                        A Filosofia certifica-se que somos seres racionais e que nossa vontade é racional, por identificar razão e causa e por crer que a realidade trabalha de acordo com relações casuais.

“É conhecida a célebre frase de Pascal, filósofo francês do século XVII: ‘O coração tem razões que a razão desconhece’. Nessa frase, as palavras razões e razão não têm o mesmo significado, indicando coisas diversas. Razões são motivos do coração, enquanto razão é algo diferente de coração; este é o nome que damos para as emoções e paixões, enquanto razão é o nome que damos à consciência intelectual e moral” (CHAUÍ, Marilena. 2000: pag. 70).

Apesar de ter sido discípulo de Platão durante vinte anos, Aristóteles divergia profundamente de seu mestre em sua teoria do conhecimento. Isso pode ser atribuído, em parte, ao profundo interesse de Aristóteles pela natureza, sem descuidar dos assuntos humanos, como a ética e a política.

Para Aristóteles, o duelo entre os princípios opostos de Platão entre mundo sensível e mundo das idéias era um meio artificial dispensável para responder à pergunta sobre o conhecimento verdadeiro. Nossos pensamentos não surgem do contato de nossa alma com o mundo das idéias, mas da experiência sensível. Dizia o filósofo: “Nada está no intelecto sem antes ter passado pelos sentidos”. O que nos distingue como seres racionais é a capacidade de conhecer, e esta está ligada à capacidade de entender o que a coisa é no que ela tem de essencial. Por exemplo,  se afirmo que todos os cavalos são brancos, vou deixar de fora um grande número de animais que poderiam ser considerados cavalos, mas que não são brancos. Por isso, ser branco não é algo essencial em um cavalo, mas você nunca encontrará um cavalo que não seja mamífero, quadrúpede e herbívoro.

Para muitos filósofos, a razão não é apenas a competência moral e intelectual dos seres humanos, mas também uma propriedade ou qualidade primitiva das próprias coisas, existindo na própria realidade. Nossa razão pode conhecer a realidade, que é a Natureza, a sociedade, a História, porque ela é racional em si mesma.

Existem dois tipos de razão:

a)    Razão objetiva – é a realidade racional em si mesma; é a afirmação de que o objeto do conhecimento ou a realidade é racional;

b)    Razão subjetiva – é a capacidade intelectual e moral dos seres humanos; é a afirmação de que o sujeito do conhecimento e da ação é racional.

Para muitos filósofos, a Filosofia é o momento do encontro, do acordo e da harmonia entre as duas razões ou racionalidade. Desde os primórdios da Filosofia, a origem da palavra razão está em oposição a quatro outras atitudes mentais:


a)    Ao conhecimento ilusório, de mera aparência que não alcança a realidade, porque a ilusão provém de nossos costumes, preconceitos e da aceitação imediata das coisas tais como parecem ser. As ilusões criam opiniões que variam de pessoa para pessoa;



b)    Às emoções, sentimentos e paixões, que são cegas, caóticas, desordenadas e contrárias umas das outras, porque a razão é vista como uma atividade ou ação;


c)    Às crenças religiosas, porque a verdade é obtida pela fé numa revelação divina, não dependendo do trabalho de conhecimento realizado pela nossa inteligência;


d)    Ao êxtase místico, no qual o espírito mergulha nas profundezas do divino e participa dele, sem qualquer intervenção da inteligência ou da vontade, porque esse êxtase exige um estado de abandono do estado consciente para entregar-se ao abismo infinito.

Segundo Hegel, a razão rege o mundo, a história universal transcorre racionalmente. É a razão que constitui a história.

2     A ATIVIDADE RACIONAL



A Filosofia aponta duas grandes modalidades da atividade racional, desempenhadas pela razão subjetiva ou pelo sujeito do conhecimento, que são elas:



2.1 A intuição



              A intuição é a razão intuitiva que discorre uma realidade para conhecê-lo, ou seja, realiza vários atos de conhecimento até conseguir captá-lo, e que chega ao objeto passando por etapas sucessivas de conhecimento e que através dos esforços de aproximação chegam ao conceito do objeto. Também consiste num único ato do espírito, que capta por inteiro e de uma só vez o objeto, sem necessidade de provas ou demonstrações para saber o que conhece.

              Nela, a razão capta todas as relações que constituem a realidade e a verdade da coisa intuída; É a inteligência que traz discernimento e compreensão. Por exemplo, tem um médico quando faz um diagnóstico e apreende de uma só vez a doença, sua causa e o modo de tratá-la. Os psicólogos usam o termo insight para definir o momento em que percebemos, num só lance, um caminho para a solução de um problema científico, filosófico ou vital.

              A razão intuitiva pode ser de três tipos:



a) A intuição sensível ou empírica - é o conhecimento direto e imediato das qualidades sensíveis do objeto externo: cores, sabores, odores, paladares, texturas, dimensões, distâncias. Ela é psicológica por referir-se aos estados do sujeito do conhecimento enquanto um ser corporal e psíquico individual, ou seja, é também o conhecimento direto de estados internos ou mentais: lembranças, desejos, sentimentos e imagens. A intuição sensível é, portanto, um tipo de conhecimento que possuímos em todos os momentos de nossa vida: por exemplo, com um rápido olhar podemos perceber uma sala de aula, suas paredes, o teto, alguém diante de um grupo de alunos as carteiras, a lousa, etc. Em uma rápida ação visual qualquer um é capaz de olhar para alguém e notar a cor dos olhos, dos cabelos, o tamanho, a compleição física da pessoa, o que ela veste, o que ela calça, etc., de modo que, com essa intuição empírica, temos essa pessoa por inteiro e de uma só vez diante de nós.



b) A intuição intelectual - é o conhecimento direto e imediato dos princípios da razão (identidade, contradição, terceiro excluído, razão suficiente), das relações necessárias entre os seres ou entre as idéias, da verdade de uma idéia ou de um ser. Um exemplo é quando eu sei, sem necessidade de provas e demonstrações que o amarelo é diferente do azul, ou que o todo é maior que as partes.



c) A intuição emotiva - é o conhecimento com a qual, em conjunto com o sentido ou significado de algo, apreendemos também seu valor, ou seja, com a idéia compreendemos, intuímos igualmente se algo é verdadeiro ou falso, justo ou injusto, coerente ou incoerente, feio ou belo, bom ou mau, etc.

2.2 O raciocínio

             

              É a razão discursiva que, ao contrário da intuição, é um conhecimento que exige provas, comprovações e demonstrações, realizando-se igualmente por meio de provas, comprovações e demonstrações das verdades que estão sendo conhecidas e investigadas. O raciocínio não é um ato intelectual, mas vários atos intelectuais ligados internamente, desenvolvendo um processo de conhecimento.

              Podemos usar como exemplo um caçador na floresta, ao ver evidências de pegas e pedaços de animais pequenos devorados há poucas horas, de que pode haver nos arredores uma onça. Partindo dos indícios, o caçador raciocina para chegar a uma conclusão e tomar uma decisão (a de se defender, mesmo desistindo de adentrar na floresta). Entretanto, quando um raciocínio é realizado a partir de condições tais que a individualidade psicológica do sujeito do conhecimento e a singularidade do objeto são substituídas por critérios de universalidade e generalidade, temos a dedução, a indução e abdução.

a) A dedução - consiste em partir de uma verdade já conhecida, e que opera como um princípio geral ao qual se submetem todos e quaisquer casos a serem demonstrados a partir dela. Podemos partir de uma verdade já conhecida para demonstrar que ela pode ser aplicada a quaisquer casos particulares, desde que sejam iguais.

Exemplo:

Definição: Todos os estudantes da UNEF passarão nas provas;

Caso particular: Eber é um estudante da UNEF;

Dedução: Logo, Eber passará nas provas.



b) A indução - consiste em partir de casos particulares iguais ou semelhantes e buscamos uma lei geral, uma definição geral ou uma teoria geral que seja capaz de explicar todos os casos particulares, realizando uma oposição ao caminho da dedução.

Exemplo:

1ª Experiência: colocamos água no fogo e observamos que ela ferve e se transforma em vapor;

2ª Experiência: colocamos leite no fogo e observamos que ela ferve e se transforma em vapor;

3ª Experiência: colocamos vários tipos de líquido no fogo e observamos que eles fervem e se transformam em vapor.

Conclusão indutiva: todo líquido que for levado ao fogo irá ferver e se transformar em vapor.



c) A abdução - é uma espécie de intuição que se desenvolve passo a passo para chegar a uma conclusão, através da busca de uma interpretação racional de sinais, de indícios, de signos. Dois exemplos mais precisos para identificar a abdução são os casos de investigação policial e de historiadores arqueólogos.



De modo geral, podemos entender que a indução e a abdução são procedimentos racionais que empregamos para a aquisição de conhecimentos, enquanto a dedução é o procedimento racional que empregamos para verificar ou  comprovar a verdade de um conhecimento já adquirido.

3     A RAZÃO: INATA OU ADQUIRIDA?

Durante séculos, a Filosofia ofereceu duas respostas para explicar de onde vieram os princípios racionais, a capacidade para a intuição e para o raciocínio, se nascemos com eles ou se teriam sido dados pela educação e costume, ou até se seriam adquiridos através da experiência. A primeira ficou conhecida como inatismo e a segunda, como empirismo.



          3.1 Inatismo



                        O inatismo afirma que nascemos já trazendo em nossa inteligência não só os princípios racionais, mas também algumas idéias verdadeiras, que, por acompanharem o homem desde seu nascimento, são idéias inatas.

                        O inatismo teve como principais defensores os filósofos Platão (séc. IV a.C.) e Descartes (sec. XVII). Para o pensador grego, a validade do inatismo é legitimada por sua teoria das idéias, que afirma nascer o homem com a razão e as idéias verdadeiras, de modo que a Filosofia, enquanto atitude de conhecimento, nada mais faz do que relembrar sobre essas idéias.



          3.1.1 Inatismo platônico



                        Platão defende a tese do inatismo da razão em várias de suas obras, mas as passagens mais conhecidas estão nos diálogos Mênom, em que Sócrates dialoga com um jovem escravo analfabeto, fazendo-lhe perguntas  certas na hora certa até demonstrar sozinho um difícil teorema de geometria, e A República, em que Platão desenvolve uma teoria que já fora esboçada no Mênon, a teoria das idéias verdadeiras, e que a Filosofia nada mais faz do que nos relembrar essas idéias.



                        "Conhecer, diz Platão, é recordar a verdade que já existe em nós; é despertar a razão para que ela se exerça por si mesma. Por isso, Sócrates fazia perguntas, pois, através delas, as pessoas poderiam lembrar-se da verdade e do uso da razão. Se não nascêssemos com a razão e com a verdade, indaga Platão, como saberíamos que temos uma idéia verdadeira ao encontrá-la? Como poderíamos distinguir o verdadeiro do falso, se não nascêssemos conhecendo essa diferença? (CHAUÍ, Marilena. 2000: pag. 86).





          3.1.2 Inatismo cartesiano



                        René Descartes, séculos depois, discute a teoria das idéias inatas, afirmando que tais idéias são inteiramente racionais e podem existir apenas porque o ser humano já nasce com elas. São exemplos a idéia do infinito e as idéias das matemáticas, posto que ninguém tem qualquer experiência do infinito, e a matemática, por poder trabalhar teoricamente com idéias tais como a de uma figura de mil lados (a qual jamais poderemos ter a percepção). Para Descartes, essas idéias são "a assinatura do Criador" na mente das criaturas racionais, de modo que a razão é ferramenta natural inata que permite ao homem conhecer a verdade.

                        Descarte afirma em suas obras que nosso espírito possui três tipos de idéias que se diferenciam segundo sua origem e qualidade:



          a) Idéias adventícias - são idéias vindas de fora, que se originam de nossas sensações, percepções, lembranças; são idéias que nos vêm por termos tido a experiência sensorial ou sensível das coisas a que se referem. Por exemplo, a idéia de árvore, de pássaro, de instrumentos musicais, de móveis, etc.



          b) Idéias fictícias - são aquelas que criamos em nossa fantasia e imaginação, compondo seres inexistentes com pedaços ou partes de idéias adventícias que estão em nossa memória. Por exemplo: cavalo alado, fadas, unicórnios, elfos, duendes, dragões, Super-homem, etc.



          c) Idéias inatas - são aquelas que não poderiam vir de nossa experiência sensorial porque não há objetos sensoriais ou sensíveis para elas, nem poderiam vir de nossa fantasia, pois não tivemos experiência sensorial para compô-la a partir de nossa memória. Por exemplo, a idéia do infinito (pois não temos qualquer experiência do infinito) e as idéias matemáticas (uma figura de mil lados, o quiliógono, o qual não temos a percepção desta figura).

          3.2 Empirismo



                        O empirismo alega que a razão, a verdade e as idéias racionais são adquiridas pelos homens por meio da experiência. Antes dela, nossa razão é como uma "folha em branco" até que os conhecimentos humanos comecem com a experiência proveniente dos sentidos, com as sensações captadas por nossos órgãos dos sentidos, excitados pelos objetos exteriores que nos possibilitam ver cores, sentir sabores e odores, ouvir sons, etc. Tais sensações se reúnem para formar as diferentes percepções, que, então, se combinam, até percebermos, por exemplo, um único objeto que nos chegou através de várias e diferentes sensações. Se, por um lado, a experiência escreve e grava em nossa mente as idéias, a razão associa-as, combina-as ou separa-as, constituindo todos os nossos pensamentos.

                        Os mais famosos Filósofos que defenderam a tese empirista são os ingleses Francis Bacon, John Locke, George Berkeley e David Hume. Eles alegavam que nossos conhecimentos começam com a repetição por semelhança de algumas sensações, fazendo-nos criar o hábito de associá-la. Essas associações são as idéias.

                        As idéias trazidas pela sensação, pela percepção e pelo hábito são levadas à memória e partir disso a razão as apanha para formar os pensamentos. Essas idéias são gravadas em nosso espírito pela experiência, e a razão irá associá-las, combiná-las ou separá-las, formando todos os nossos pensamentos. Por isso, David Hume dirá que a razão é o hábito de associar idéias, seja por semelhança, seja por diferença.

                        A razão pretende alcançar a realidade em seus aspectos universais e necessários, tal como é em si mesma, considerando que o que conhece vale como verdade para todos os tempos e lugares (universalidade) e indica como as coisas são e como não poderiam ser de outra maneira.


4     OS PROBLEMAS DO INATISMO E DO EMPIRISMO



                        Sem dúvida, dizia o filósofo Platão, os seres humanos variam muito nas suas opiniões sobre o justo e a justiça, pois essas opiniões se formam por experiência e esta varia de pessoa para pessoa, de época para época, de lugar para lugar. Por isso mesmo, são simples opiniões (CHAUÍ, Marilena. 2000: pag. 70).

                         

Descartes avalia que a realidade natural é administrada por leis universais e necessárias do movimento, ou seja, que a natureza é uma realidade mecânica, e que essas leis são idéias racionais deduzidas de idéias inatas simples e verdadeira. Ora, a realidade permanece a mesma e, no entanto, as idéias que a explicavam perderam a validade. Ou seja, o inatismo se depara com o problema da mudança das idéias, feita pela própria razão, e com o problema da falsidade das idéias, demonstrada pela própria razão.

Já o empirismo, por sua vez, se depara com um problema insolúvel: se as ciências são apenas hábitos psicológicos de associar percepções e idéias por semelhança e diferença, bem como por contigüidade espacial ou sucessão temporal, então as ciências não possuem e não explicam verdade e objetividade alguma.

O ideal racional corresponde à realidade das coisas e não depende de nossos gostos, opiniões, preconceitos, fantasias, costumes e hábitos. Ela não pode ser subjetiva, mas o empirista não oferece garantia através das ciências.

Esses problemas promovem periodicamente o aparecimento de uma corrente filosófica conhecida como ceticismo, para o qual a razão humana é impossibilitado de conhecer a realidade e por isso deve rejeitar a verdade. O cético sempre revela explicitamente dúvidas toda vez que a razão tenha pretensão ao conhecimento verdadeiro do real.

Os problemas criados pela divergência entre inatistas e empiristas foram resolvidos em dois momentos: antes e depois da filosofia de David Hume.

          4.1 A solução de Leibniz



                        Estabelecido no século XII, antes de David Hume, Leibniz distinguiu conceitos entre verdades de razão e verdades de fato.



          a) Verdades de razão - enunciam que uma coisa é, não podendo de modo algum ser diferente do que é e de como é. O exemplo mais evidente são as idéias das matemáticas, ou seja, é impossível que o triângulo não tenha três lados e que a soma de seus ângulos não seja igual a soma de dois ângulos retos; é impossível que 2 + 2 não seja igual a 4.

                        As verdades de razão são inatas, o que não significa que uma criança venha a nascer já conhecendo a matemática e como aplicar suas operações, e sim, significa que ela nasce com a capacidade racional, puramente intelectual, para conhecer idéias que não dependem da experiência para serem formuladas e para serem verdadeiras.

                       

          b) Verdades de fato - dependem da experiência porque enunciam idéias que são obtidas através da sensação, da percepção e da memória; são empíricas e se referem a coisas que poderiam ser diferentes do que são, porque há uma causa para que sejam como se apresentam. Por exemplo, quando digo "esta rosa é vermelha", nada impede que ela pudesse ser branca ou amarela, mas ela é vermelha é porque alguma causa a fez ser assim e uma outra causa poderia tê-la feito amarela. A cor possui uma causa necessária, e não é acidental que tenha cor.

                        As verdades de fato são verdades porque para elas funciona o princípio da razão suficiente. Tudo o que percebemos e que temos experiência possui uma causa determinada que pode ser conhecida.

                        Para o filósofo David Hume, o princípio da razão suficiente é exclusivamente um hábito obtido por experimento como decorrência da repetição e da constância de nossas impressões sensoriais.

                        A crítica de Hume à causalidade e ao princípio da razão suficiente leva à resposta de Kant.


          4.2 A solução kantiana



                        A resposta ao problemas do inatismo e do empirismo oferecida pelo filósofo alemão Immanuel Kant, séculos depois de David Humer, no século XVIII, é conhecida de "revolução copernicana" em filosofia, que demonstrou que o sistema geocêntrico era falso e que:



          a) o mundo não é finito, mas é um Universo infinito;

          b) os astros não estão presos em esferas, mas fazem um movimento cuja forma é a de uma elipse;

          c) o centro do Universo não é a Terra;

          d) o Sol não é um planeta, mas uma estrela, e a Terra, como os outros planetas, gira ao redor dele;

          e) o próprio Sol também se move, mas não em volta da Terra.



                        Baseado nessas revelações, Kant dizia que todo inatista e empirista parecem ser como astrônomos geocêntricos, buscando um centro que não é verdadeiro, como se quisessem assar um frango, querendo que o forno girasse em torno dele e não o frango em torno do fogo.

                        Antes de tudo, em vez de estudar o que é a própria razão e indagar o que ela pode e não pode conhecer, em vez de procurar saber o que é verdade, os filósofos preferiam começar dizendo o que a realidade é, afirmando que ela é racional e que pode ser inteiramente conhecida pelas idéias da razão. Em vez de colocar no centro a realidade objetiva ou os objetos do conhecimento, afirmando que são racionais, comecemos colocando no centro a própria razão.

                        A razão é uma estrutura vazia, uma forma pura sem conteúdos. Essa estrutura é a mesma para todos os seres humanos e é inata, porque não depende da experiência para existir, ou seja, é anterior à experiência.

                        O engano dos inatistas é supor que os conteúdos ou a matéria do conhecimento são inatos. Não existem idéias inatas. Já o engano dos empiristas é supor que a estrutura da razão é adquirida por experiência ou causada por ela. As experiências não são causas das idéias, mas é a ocasião para que a razão as formule.

                        O erro dos inatistas e empiristas foi o de supor que nossa razão alcança a realidade em si. Para um inatista como Descartes, a realidade é espacial, temporal, qualitativa, quantitativa, causal. Para um empirista como Hume, a realidade em si pode ou não repetir fatos sucessivos no tempo, pode ou não repetir fatos contíguos no espaço, pode ou não repetir as mesmas seqüências de acontecimentos.

                        Hegel criticou o inatismo, o empirismo e a solução kantiana, afirmando de não haver compreendido o que há de mais fundamental e de mais essencial à razão: a razão é histórica. Hegel considerou que as idéias só seriam racionais e verdadeiras se fossem intemporais, perenes, eternas, as mesmas em todo tempo e em todo lugar. Uma verdade que mudasse com o tempo ou com os lugares seria mera opinião ("eu acho que", "eu gosto de") e não seria verdade ("eu penso que", "eu sei que", "isto é assim porque").

                        Para Hegel, a razão é:



          a) o conjunto das leis do pensamento (os princípios, os procedimentos e as estruturas para pensar) - a razão subjetiva;

          b) a ordem, a organização, o encadeamento e as relações das próprias coisas - a razão objetiva;

          c) a relação interna e necessária entre as leis do pensamento e as leis do real - unidade da razão subjetiva e da razão objetiva.



                        Em cada momento de sua história, a razão produziu uma tese a respeito de si mesma e, logo a seguir, uma tese contrária à primeira ou uma antítese. Cada tese e cada antítese foram momentos necessários para a razão conhecer-se cada vez mais, mas a razão não pode ficar estacionada nessas contradições que ela própria criou, e sim, precisa ultrapassá-las numa síntese que una as teses contrárias, mostrando onde está a verdade de cada uma delas e conservando essa verdade. Essa é a razão histórica.

  

5     A RAZÃO NA FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA



          5.1 A razão histórica



                        Nem todos os filósofos aceitaram a solução hegeliana para as dificuldades criadas para a razão com o conflito entre inatismo e empirismo. O filósofo alemão Edmund Husserl descreveu as estruturas da consciência através da fenomenologia, cujos conteúdos são produzidos por ela mesma, independentemente da experiência. Husserl manteve o inatismo, mas com as contribuições trazidas pelo kantismo.

                        Husserl afirma que o "mundo" ou "realidade" não é um conjunto ou um sistema de coisas e pessoas, animais e vegetais, e sim, um conjunto de significações ou de sentidos que são produzidos pela consciência ou pela razão. A razão "constitui a realidade" enquanto sistemas de significações que dependem da estrutura da própria consciência. Significações essas que não são pessoais, psicológicas, nem sociais, mas universais e necessárias. Elas são as essências, o sentido pessoal e intemporal que só existe para e pela consciência.

                        Por exemplo, a razão não estuda os conteúdos psicológicos de minha vida pessoal, mas questiona sobre a vida psíquica, o que são e como são a memória, a imaginação, a sensação e a percepção.



          5.2 Razão e sociedade



                        Outros filósofos adotam a solução hegeliana, diferentemente da fenomenologia, mas com uma modificação fundamental. Para eles, o engano de Hegel está na suposição de que a razão seja uma forma histórica autônoma e na suposição de que a razão é a força histórica que cria a própria sociedade, a política e a cultura. Para os filósofos Theodor Adorno, Hebert Marcuse e Max Horkheimer, Hegel está correto quando afirma que as mudanças históricas sucedem pelos tumultos e contradições, mas está iludido ao desconfiar que tais tumultos se dão entre distintas figuras da razão, pois eles se dão como tumultos e contradições sociais e políticas, modificando a própria razão.

                        Cada nova forma da racionalidade é um triunfo sobre os tumultos das formas anteriores, havendo mudanças no pensamento através das mudanças sociais, políticas e culturais, sendo essas mudanças a solução no presente para os conflitos e contradições do passado.

                        Os inatistas se enganam ao deduzir que os conteúdos da razão são imutáveis e os empiristas se enganam ao deduzir que as mudanças são originadas por nossas experiências, quando são produzidas por transformações globais de uma sociedade.



          5.2 Razão e descontinuidade temporal



                        Na década de 60, foi desenvolvida uma corrente científica chamada estruturalismo, onde o mais importante não é a mudança ou a transformação de uma realidade, as a estrutura ou a forma que ela tem no presente, porque as estruturas passada e futura são diferentes entre si e diferente da estrutura do presente, sem interesse de acompanhar temporamente a passagem de uma para a outra.

                        A solução helegiana revela uma concepção cumulativa (batalha interna entre teses e antíteses que vai sendo enriquecida) e otimista (a razão supera a si mesma em suas contradições internas, chegando a uma síntese harmoniosa).

                        A teoria da relatividade, por exemplo, elaborada por Einstein, não é continuação evoluída e melhorada da física clássica, formulada por Galileu e Newton, mas é outra física, com conceitos, princípios e procedimentos completamente novos e diferentes. Cada física tem seu sentido e valor próprio. Não há novidades, e sim, continuidade e avanço, passando a ser diferentes das outras porque se baseiam em princípios, interpretações e conceitos novos.

                        Em cada período de sua história, a razão inventa protótipos explicativos para os acontecimentos ou para os objetos do conhecimento, não havendo comparação entre eles. A razão grega é diferente da medieval, que é diferente da renascentista e da moderna, que é diferente da iluminista, que é diferente hegeliana, que é diferente da contemporânea.



          5.3 Razão e realidade



                        As teorias racistas se apresentam usando princípios, conceitos e procedimentos científicos: fazem pesquisas biológicas, genéticas, químicas e sociológicas; usam a indução e a dedução; definem conceitos; inferem conclusões obtidos por experiência, etc. Até conseguir provar que:



          a) existem raças;

          b) as raças são biológicas e geneticamente diferentes;

          c) há raças atrasadas e adiantadas, inferiores e superiores;

          d) para o bem das raças inferiores e das superiores deve haver segregação racial para não haver influência umas sobre as outras;



                        Ora, a razão pode demonstrar que a "racionalidade" racista é irracional e que está a serviço da violência, da ignorância e da destruição, baseada em provas:



          a) Biologia e Genética - demonstram diferenças na formação anatômico-fisiológica dos seres humanos e essas diferenças não produzem "raças";

          b) Sociologia, Antropologia e História - demonstram diferenças nas condições ambientais, como são produzida as diferentes maneiras pelas quais os grupos sociais definem as relações de trabalho, parentesco, formas de avaliação, vestuário, habitação, etc.

          c) Ciência Política e Econômica - demonstram diferenças entre grupos e classes sociais, formados a partir da apropriação de riquezas e do poder, colocando outros grupos e classes sociais sob sua dominação e justificam essa atitude com a convicção de que tais grupos e classes são inferiores;

          d) Psicologia - demonstra diferenças entre manifestações sociais de uma cultura, mesmo que as capacidades mentais sejam iguais, baseada nos modos de vida, de trabalho, de acesso à escola e à educação forma, das crenças religiosas, de valores morais e artísticos diferentes, etc.


                        Essas diferenças não formam "raças", portanto "raça" é uma palavra inventada para:



          a) avaliar, julgar e manipular as diferenças biológicas e genéticas;

          b) avaliar, julgar e manipular as diferenças sociais e históricas;

          c) legitimar a exploração e a dominação que um grupo social e político exerce sobre os outros grupos;

          d) transformar as diferenças em justificativas para discriminações e exclusões.



                        A Filosofia, recolhendo fatos, dados, resultados e demonstrações feitos pelas várias ciências, pode, então, concluir dizendo que a teoria do racismo é falsa, não é científica e é irracional e que a teoria "científica" do racismo é uma prática econômica, social, política e cultural para justificar a violência contra seres humanos e, portanto, é inaceitável para as ciências, para a Filosofia e para a razão.

                        Uma "razão" racista não é razão, mas ignorância, preconceito, violência e irrazão.

  

6     CONCLUSÃO



A razão pode ser considerada como uma capacidade que o ser humano possui de organizar a realidade na qual ele vive, fazendo com que estas se transformem em uma coisa compreensível e capaz de ser organizado. A razão pode ser considerada também como aquela capacidade de organização e ordenamento das coisas de acordo com as suas próprias capacidades de serem organizados e ordenados, contudo, ainda sendo compreensíveis nelas mesmas e por elas mesmas. Isto significa que as próprias coisas as quais organizamos já são racionais.

Através da coerência interna de um pensamento ou de uma teoria também nos ajuda a perceber os objetivos da razão. A razão tem por escopo estudar todos os conteúdos psicológicos, se indagando sobre determinadas situações ou coisas. A razão procura descrever o sentido da memória, da imaginação, da sensação, assim como a percepção. A razão procura investigar os maiores detalhes de nossas experiências pessoais encontrando as melhores e mais convenientes respostas possíveis para nossas indagações. A razão pode ser encontrada através da resposta de perguntas, pois estas respostas podem ser consideradas como a maneira que o ser humano encontrou para se adaptar a realidade.  A fenomenologia não admite que a razão mude com o passar do tempo e nem no tempo; ela permite que se enriqueça e se amplie com o passar do tempo, mas nunca se muda.


7     REFERÊNCIAS



CAF. A razão da Filosofia e a Filosofia da razão. Publicado em 14 de julho de 2009. Disponível em <http://www.jn.pt/blogs/caf/archive/2009/07/14/a-raz-195-o-da-filosofia-e-a-filosofia-da-raz-195-o.aspx>. Acesso em 21 de abril de 2011



CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. Ed. Ártica, São Paulo, 2000.



HENRIQUE, Thiago. Filosofia - Aula 8 - Capítulo 6. Lógica e Epistemologia. Publicado em 01 de novembro de 2009. Disponível em <http://www.cursinhometamorfose.com.br/portal/node/118>. Acesso em 21 de abril de 2011.



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